A fim de disfarçar o...
serviço, vesti Anna com a única vestimenta púrpura que ela tinha. E o velório
transcorreu com calma, nas presenças minha, de Joanna, e de Tomasz
Czernoglawski, o padre designado para fazer os ritos de Natal na nossa região.
E que começou suas atividades por lá, de maneira nada festiva.
Como nem só de morte se
faz a vida, logo depois, Joaninka recebeu o batismo. Mas algo começou a me
incomodar , e falei a Tomasz:
- Sempre ouvi falar em
um Deus consolador, mas não vi o consolo dele nos momentos finais de Anna. Fui
eu que a consolei, e o que mais me anima neste momento é Joanna. Se não é o papel
deste tal de Deus, nos consolar nos piores momentos, então ele pode, no máximo,
ser alguém justo, que recompense os bons e puna os maus. Mas não tem como ele ser
um Deus amoroso.
- Te entendo
perfeitamente. Mais do que você imagina... – então, ele pegou uma bola negra,
misturou aquela bola a alguns pedaços de erva, e acendeu algo parecido com um
graveto. Para minha surpresa, ele inspirou a fumaça que saía daquele graveto, e
depois de alguns minutos parecia tomado de grande tranquilidade, a despeito de
seus olhos estarem cor de sangue.
- Mas, admita Jan, você
teve sorte. Ou a proteção dos deus...aham! de Deus.
- Dos o quê?
- Jan, vocês tem a paz
das montanhas. Porém, nós, da planície, não tivemos a mesma sorte quando
chegaram aqueles seres sub-humanos a quem chamam de mongóis. Eu, em verdade,
não tive nem tua sorte, de ter o próprio pedaço de chão. Estava eu lá, nas
terras de meu senhor, aliás, de meu antigo senhor, colhendo os últimos frutos
de algum outono. Fazem 5 anos. E de repente aqueles cavaleiros sanguinários
chegaram. Fora eu, nenhum polaco ao meu redor ficou de pé. Tive sorte de entrar
logo na floresta, onde os galhos das árvores tornariam mais trabalhosa a
perseguição dos cavaleiros mongóis. Adoraria te-los enfrentado, mas naquele dia
eu estava pouco inclinado ao martírio. Então fui até minha casa. E chegando
lá... – alguns segundos de silêncio e lágrimas brotaram em seus olhos neste
instante – encontrei ela morta, o ventre rasgado, e... surpresa das surpresas:
ela estava grávida. Cortaram até mesmo a cabeça daquele bebê ainda tão
pequeno... Então gritei com todas minhas forças. Sim, eu queria ser morto por
aqueles déspotas e seus cavalos, pois agora nada mais me restava. Para meu
desapontamento, ninguém apareceu. Então, me joguei no rio mais próximo. Fiz
questão de inalar a água, para que meu sopro de vida logo fosse de volta para
Deus. Ou... para algum patrono dos mestres das ervas. Porém, depois de algum
tempo, me vi numa cama, alguns homens de túnicas à minha volta. Eram pessoas
que estavam estudando para serem sacerdotes católicos. Como eu me tornei. Devo
dizer que a vida de estudos vez por outra tinha seus refrigérios... como
visitas solitárias de monjas que moravam perto de nós. Monjas que, diga-se de
passagem, eram tão católicas quanto... os mestres das ervas. Sim, os mestres
das ervas, sob a carapuça de tementes apenas a Javé, nunca deixaram de ser
seguidores dos deuses de nossos ancestrais. No mais recôndito do bosque, ainda são
celebrados Rod Criador e Triglav Rei. E fora aquelas doces monjas que,
aproveitando-se da demência senil da madre superiora do monastério, que me
apresentaram o culto ancestral. Aliás, Jan, devo te dizer que, nas regiões mais
ermas, ligadas à civilização apenas por caminhos intransitáveis, Javé ainda é
um nome estranho. Mas, ao menos pararam de sacrificar pessoas, algo que sempre
execrei no culto ancestral. E, modéstia à parte, eu e minha amicíssimas monjas
fomos os responsáveis por encerrar esta barbárie.
- Então você serve a 3
senhores?
- Não Jan, vamos com
calma. Rod e Triglav são apenas outras faces daquilo que os cristãos chamam de
Deus. Aliás, podemos comparar Rod a Javé, e Triglav a Jesus. Mas, a primeira
festa que fui, foi em honra de Potala... jamais me esquecerei daquela festa.
Foi lá que tomei consciência de que, por pior que tenha sido a perda de minha
esposa e de meu futuro rebento, a vida teria que continuar. E se eu não tomasse as rédeas, ficaria arrastando corrente. Então decidi, sob as bênçãos do
hidromel, me entregar aos rituais... que duraram uma noite inteira. Aliás, que
rituais! E é para lá que eu vou, depois de celebrar a missa do Galo em sua
aldeia. Se você não tivesse Joanna para cuidar, te convidaria para estes
sabororos rituais... que rituais!
- Obrigado por sua
gentileza Tomasz, mas vou ficar aqui, cuidando de Joaninka. Neste momento, a
capela está gelada como o vento nordeste, e... não quero que Joaninka conheça
tamanho frio tão cedo!
- Tudo bem Jan. Mas
agora tenho realmente que ir. Que Deus ou os Deuses te protejam! Fica à sua
escolha! – e sorrindo se foi.
__________________________
Para correta visualização desta postagem verifique se a fonte Tempus Sans ITC está instalada no seu computador. Para baixa-la clique AQUI.
3 comentários :
Grande Luciano,
Gostei muito mesmo dessa postagem.
Estou curiosíssimo pra saber a importância desse padre na história de Cain.
Att,
Hugo Marcelo
Isso aí, cinquenta tons de Cain! :)
Valeu pelo feedback Hugo! E pode ter certeza que o padre vai ter um papel no lance. ;)
Legal...
:-)
Hugo Marcelo
Postar um comentário