1. Introdução
Conceitualmente, o “Império Bizantino” fora
constituído quando a cidade de Constantinopla, a Nova Roma, foi fundada em 324 d.C. e teve seu fim com a tomada pelos
turcos otomanos em 1.453, sofrendo profundas transformações ao longo desses 11
sécs.
Com relação ao adjetivo “bizantino”, é muito
discutido sua adequação e veracidade mas por ser um termo consagrado pelo uso
será utilizado sem restrições. Na verdade, “O Império Bizantino” nunca existiu,
mas sim um estado romano que tinha por capital Constantinopla. Seus habitantes
se designavam Romaioi, ou simplesmente cristãos; e seu
país de Romania.
Um homem poderia ser referido como byzantios apenas se fosse natural de
Constantinopla. Os europeus se referiam aos “bizantinos” como Graeci. Para os Eslavos eram os Greki, mas para o mundo árabe eram os Rum, ou seja, os romanos. O termo Byzantinus só passou a ser utilizado a
partir do Renascimento.
Didaticamente a história bizantina pode ser
dividida em três grandes períodos: inicial, médio e tardio. O período inicial
se estende até meados do séc. VII, coincidente com a ascensão do islã e à
instalação definitiva dos árabes ao longo da costa sul e leste do mediterrâneo.
O período médio, até a ocupação da Ásia Menor pelos turcos, em 1070, ou até a
tomada de Constantinopla pelos cruzados, em 1204; e o período tardio
finaliza-se em 1453.
O período inicial foi de longe o mais
importante para a história bizantina. Não só por seu poder político, sua
extensão geográfica; mas por sua herança cultural. Foi responsável pela
integração do cristianismo à cultura greco-romana, definiu o dogma cristão,
estabelecendo as estruturas da vida cristã e criou uma literatura e arte
cristã.
O período médio foi catastrófico. A invasão
persa no início do séc. VII, seguido da expansão árabe privaram os bizantinos
de algumas de suas províncias mais prósperas como a Síria, Palestina, Egito e
mais tarde o norte da África. Esse colapso marcou o fim de um modo de vida: a
civilização urbana da antiguidade.
Nesta época, despontaram três superpotências:
o Império Bizantino, Europa ocidental e o mundo islâmico, herdeiro de Roma e da
Pérsia, que organizava um vasto “mercado comum” que ia da Espanha até aos
confins da Índia. Uma civilização com uma vitalidade extraordinária.
O Império
Bizantino, apesar de excluído das principais rotas comerciais e
constantemente hostilizado por seus inimigos, foi, ainda assim, capaz de
mostrar uma grande dinâmica e recuperar muito de seu território perdido. Voltou
sua atenção para o norte e o ocidente bárbaro: os Balcãs, então povoado pelos
eslavos e outros povos recém-chegados; o estado Chazar localizado na península
da Criméia e a costa norte do mar negro. Novas perspectivas estavam, pois,
abertas, e a influência bizantina, pautada pela atividade missionária, irradiou-se
até a Morávia e ao Báltico.
O cenário do período tardio também é dominado
por essas três superpotências embora com uma configuração diferente. Tanto o
mundo bizantino como o mundo árabe estavam em completa desordem, ao passo que a
Europa ocidental estava em ascensão. Ainda, a Ásia Menor foi perdida para os
turcos seljúcidas e teve fim o tráfego marítimo para as cidades-estados
italianas. A partir de 1180 entrou em franca decadência e com a tomada de
Constantinopla pela 4a. Cruzada se fragmentou nos estados de
Trebizonda, Niceia e Epiro.
Embora pouco importante para a história
mundial (mas fundamental para este jogo), Constantinopla foi retomada dos
latinos em 1.260 pelo general Mikhael
Doukas Komnēnós Palaiologos, coroado imperador Mikhael VIII Palaiologos. Embora apenas palidamente se assemelhasse
ao que fora no passado, foi um momento de intensa produção artística e
cultural, considerado o “Renascimento Paleólogo”.
2. Que Rei Sou Eu?
A política interna do império bizantino detém uma triste história de intrigas, inveja,
violência e assassinatos. Algo em torno de 70 imperadores governaram Bizâncio.
Desses, menos de 50% transferiram a coroa pacificamente para seu herdeiro.
O atual imperador é Aleixo III Ângelo (1153-1211). Pertencente à família real, mas não era
o legítimo herdeiro do trono. Na juventude, conspirou para a morte do então
monarca Andrónico I Comneno, sendo
exilado, passando vários anos em cortes muçulmanas, inclusive na de Saladino.
O caminho que percorreu do exílio ao trono bizantino
foi longo e tortuoso. Em 11 de setembro de 1185, seu irmão Isaac foi ameaçado
de morte por seu primo, coincidente com o afastamento do trono de Andrónico I Comneno. Isaac, acuado,
matou o comandante da guarda imperial e se refugiou na basílica de Hagia Sofia. De lá, incitou a população a
um motim que culminou na sua proclamação como rei Isaac II Ângelo.
Em 1190, Aleixo
Ângelo regressou à Constantinopla à convite de seu irmão Isaac II Ângelo, o imperador. Ocupou um
cargo de confiança, Sebastokrator, uma
grande honraria, mas um título que na prática não representava nada.
Em 1195, Isaac
II Ângelo caçava em Trácia (sudeste da Europa próximo às fronteiras da
Grécia, Turquia e Bulgária). Aleixo
traiu seu irmão e corou-se imperador Aleixo
III Ângelo. Isaac foi aprisionado
em Estagiras na Macedônia, cegado e mantido cativo.
Aleixo
III Ângelo despendia muitos recursos para consolidar
sua posição como imperador. Sua desmedida exauriu o tesouro imperial, a
contragosto de sua esposa Euphrosyne
Doukaina Kamaterina, considerada hábil e forte.
Em 1202, o imperador Aleixo III Ângelo iria enfrentar um desafio inesperado. Uma armada
cristã se reunia em Veneza com o objetivo de retomarem a Terra Santa. O filho
de Isaac (o rei deposto), Alexius Ângelo (não confundir com o rei Alexo III Ângelo), escapou de
Constantinopla e viajou para a Europa. Dessa forma, apelou para Bonifácio de
Montferrat, líder da 4a. Cruzada, que lhe entronasse. Em troca poria
fim ao cisma entre as igrejas ocidental e oriental, pagaria pelo transporte e
daria suporte militar. Assim o fizeram, facilitados pela inabilidade militar de
Aleixo III Ângelo e a covardia de
seus exércitos.
Em 18-07-1203, os cruzados iniciaram o ataque
à cidade e Aleixo III Ângelo fugiu
para Trácia. Isaac II foi proclamado
rei pela população, o que foi considerado ilegal pelo cruzados dada sua
deficiência visual. O impasse foi resolvido com a proclamação de Alexius,
seu filho, como co-imperador, Alexius IV.
A tensão aumentava a medida que o reino bizantino não possuía recursos
para pagar o que fora acordado com os cruzados. A insatisfação com Alexius IV crescia com suas medidas
impopulares, como quebrar esculturas para extrair o ouro e a prata. Seu pai Isaac II o caluniava, acusando-o de
conduta sexual inapropriada com “um homem
depravado”. Em dez/1203 explode o conflito entre os cruzados e o império bizantino. O senado bizantino, alguns padres e
ilustres membros da cidade tentam eleger um rei rival, Nicholas Kanabos, mas ele se recusou a ocupar ao trono.
Paralelamente, Alexius IV tenta uma
reconciliação com os cruzados, incumbindo desta função seu protovestiarios (oficial sênior das finanças), Alexios Doukas Murzuphlus. Ele trai seu
rei e aprisiona tanto Alexius IV como
seu pai Isaac II no final de jan/1204
e se proclama imperador Alexios V Doukas,
cujo maior feito foi refugiar-se em Trácia assim que se iniciou o Saque de Constantinopla, em 12-abr-1204.
3. Mundo Bizantino
3.1.
Autoimagem
Os Bizantinos são um povo muito orgulhoso de
seu passado. Se consideram herdeiros da antiga Roma e responsáveis por
perpetuar seu legado e propagar o cristianismo pelo mundo. É a primeira nação a
ter o cristianismo como religião oficial.
3.2.
O Imperador
A concepção de sociedade que prevaleceu
durante todo o Império Bizantino é
que deveria existir apenas uma única sociedade universal cristã, a oikoumene, que unia o império e a
igreja. No coração da política cristã de Bizâncio
estava o imperador, mais do que um simples chefe de estado, o representante de
Deus na terra. Se Bizâncio era um
ícone da Jerusalém celeste, então o Império era imagem da monarquia suprema de
Deus no paraíso. Nas igrejas, o povo se prostrava diante do ícone de Cristo, e
nos palácios, perante o imperador. No Grande
Palácio, na sala do trono, leões mecânicos rugiam e pássaros cantavam, todo
o ambiente testemunhava o status do imperador.
Segundo Constantine
VII Porphyrogenitus, “nós entendemos o movimento harmonioso de Deus Criador
em torno deste universo, à medida que o poder imperial é preservado em
proporção e em ordem”. O imperador tinha um lugar especial na igreja. Embora
não celebrasse a eucaristia, recebia a comunhão em duas espécies dentro do
santuário de forma semelhante aos padres. Também fazia algumas homilias e, em
algumas festas, incensava o altar. A vestimenta que os bispos ortodoxos
atualmente usam, é a mesma que o imperador usava nas cerimônias.
A vida em Bizâncio era formada por um todo,
unificado. Não existia uma linha rígida que separava o religioso do secular,
entre igreja e estado. Eram parte de um mesmo organismo. Dessa forma era
inevitável que o imperador tivesse uma participação ativa na igreja. Por outro
lado, a acusação de Caesaro-Papismo
não procede[1].
Não havia subordinação da igreja ao estado. Existia o poder imperial (imperium) e o clero (sacerdotium). Enquanto trabalhando em
cooperação, cada elemento tinha sua própria esfera e autonomia. Entre os dois
existia uma “harmonia” e como uma “sinfonia”. Nenhum dos dois exercia controle
absoluto sobre o outro.
[1] Tenho sérias reservas quanto a essa afirmação. Várias vezes o imperador interveio na igreja de forma indevida e, por vezes, como no período do iconoclasmo, violenta.
3.3.
Helenização
Por volta do séc. VII - VIII, se consolidou
como estado medieval helenizado, sendo o grego reconhecido como a língua
oficial do estado, da religião e do comércio. Era ensinado pelos grammatikoi em quase toda vila e cidade.
A maioria das pessoas tinham algum conhecimento básico de leitura e escrita.
Havia o grego falado na corte, nas
correspondências oficiais e o grego falado em casa ou no mercado, mais
coloquial e informal. Esse pluralismo linguístico refletia uma complexa
hierarquia social. Para uma família da elite de Constantinopla, valer-se de um
vocabulário florido e uma sintaxe rebuscada era a forma de se diferenciarem dos
rústicos e economicamente inferiores.
3.4.
O Tempo
3.4.1. Horas do dia.
O dia era dividido em dois ciclos de 12
horas, do nascer ao por do sol. Seguindo o costume romano, o dia (nychthemeron) começava à meia-noite e a
primeira hora do dia (hemera) vinha
com a madrugada. A noite (nyx) era
também dividida em 12 horas. O tamanho desses ciclos variava conforme o período
do ano. A cada dois anos o equinócio era o único dia com 60 min, oferecendo a
oportunidade para astrônomos, militares e cientistas calibrarem seus “relógios
d’água”, ou quaisquer dispositivos de medição do tempo.
As atividades eram exercidas normalmente
durante o dia. A Mese e as igrejas eram artificialmente iluminadas. As tavernas
em Constantinopla provavelmente fechavam após a 2a. hora da noite.
Questões referentes à segurança, associado à iluminação precária contribuíam
para virtual ausência de vida noturna.
O sol era a forma mais confiável de se marcar
as horas. Um monumental relógio de sol (horologia)
foi construído próximo à Hagia Sophia. Muitos militares e viajantes possuíam
“relógios de sol portáteis”. Outra forma usual de se marcar o tempo eram os
“relógios d’água” (klepsydra), muito
importantes para os estudos astronômicos.
Horas
do Dia
|
||
Novo dia
|
meia-noite
|
nychthemeron
|
1a. hora
|
madrugada
|
hemera
|
3a. hora
|
meio da manhã (09:00h)
|
|
6a. hora
|
meio-dia
|
|
9a. hora
|
meio da tarde
|
|
11a. hora
|
anoitecer (18:00h)
|
hespera
|
1a. hora
noite
|
pôr-do-sol
|
apodeipnon
|
3.4.2. Dias da semana.
Embora a semana fosse constituída de 7 dias. O domingo (kyriake) era visto como o 1o.
e o 8o. dia da semana. Uma vez que Cristo é o alfa e o ômega do
cosmos, existia antes e depois do tempo. Cada dia da semana era dedicado a um
ou mais santos. Dessa forma, o 2o. E o 3o. dias eram
vistos como dias de penitência.
Dias
da Semana
|
Dedicado
à
|
||
1o.
|
Domingo
|
Kyriake
|
Dia do Senhor
|
2o.
|
Segunda
|
Deutera
|
Anjos
|
3o.
|
Terça
|
Trite
|
São João Batista, o predecessor (Prodromos) de Cristo.
|
4o.
|
Quarta
|
Tetarte
|
A Cruz
|
5o.
|
Quinta
|
Pempte
|
Teothokos
|
6o.
|
Sexta
|
Paraskeve
|
A Cruz
|
7o.
|
Sábado
|
Sabbaton
|
Mártires da igreja
|
8o.
|
Domingo
|
Kyriake
|
Dia do Senhor
|
3.4.3. Estações do ano.
A sucessão das estações foi reconhecido desde
a antiguidade. O clima variava do temperado continental nos Balcãs e no mar
Negro até o clima mediterrâneo no norte da África e do oriente próximo. Algumas
autoridades agrárias instituíram um
calendário bastante prático. O sporetos
ou “tempo da semente” precedia o solstício; inverno (phytalia) ou “plantio de árvores” até o equinócio; primavera; verão
(opora) ou “colheita dos frutos”; e o
outono.
3.4.4. Calendário.
Não havia um sistema cronológico
universalmente aceito no mundo bizantino.
O calendário Juliano era o mais aceito. O calendário litúrgico era baseado no
calendário civil e começava na festa do nascimento da Virgem Maria (08-set).
Maior parte das festividades e do dia de cada santo era fixado no Synaxarion de Constantinopla, sendo as
principais o Natal (Christougennos,
25-dez), Epifania (06-jan), apresentação no Templo (Hypapante, 02-fev) e ascensão de Maria (Koimesis, 15-ago).
3.5.
Ciclo de Vida
As fases da vida promovem uma forma básica e
menos abstrata para a compreensão do tempo. Embora autores clássicos entendessem
a vida como a sucessão de várias fases, o senso comum bizantino distinguia
infância, maturidade e velhice.
A fase adulta coincide com a obtenção de
responsabilidade social, 15-17 anos. Embora legalmente a maioridade fosse
atingida aos 20 anos. Alguns jovens se casavam muito jovens, 13-15 anos. Um
homem se tornava elegível para o serviço militar a partir dos 20 anos.
A expectativa de vida era relativamente curta,
40-45 anos. A mortalidade infantil era de aproximadamente 50%, a mortalidade
materna também era muito elevada. Talvez 10% da população chegava à velhice,
60-80 anos. Os idosos eram muito respeitados pelo seu conhecimento e sabedoria.
Na zona rural, onde registros escritos eram mais raros, eram conhecedores das
histórias dos antepassados, as tradições locais e até mesmo os limites das
propriedades. Em muitos casos, a idade avançada ganhava status de santidade. Vários
santos bizantinos viveram até seus 80-90 anos.
3.5.1. Dieta e refeições.
A maioria das famílias bizantinas tinha o que
poderia ser chamado de típica dieta mediterrânea, a base de cereais, verduras,
legumes, azeitonas e óleo de oliva. O arroz asiático era raro até a fase tardia
da Idade Média. Carne era consumido em quantidades limitadas, se não em ocasiões
especiais. As principais fontes de proteína animal eram o cordeiro, a cabra,
aves e porcos. Carne de caça ou de gado eram considerados quase que luxo.
Peixes e frutos do mar estavam disponíveis ao longo da costa ou ao longo de
rios e lagos.
Haviam duas refeições diárias principais. Um singelo
café-da-manhã, ariston, e a refeição
principal era servida após o pôr-do-sol, deipnon.
Alguns estudiosos referem ums refeição no início da madrugada, prophagion.
4. Sociedade e
Economia
4.1.
O Governo
O serviço imperial era basicamente formado
pela corte, as forças armadas e a burocracia civil. Todos sob a autoridade
direta do imperador. O imperador assumia este posto ou por ter nascido porphyrogennitos na família reinante, ou
coroado co-imperador com o apoio dos militares. O senado juntamente com um
corpo cerimonial constituído por membros da elite, ratificam o trono de um novo
imperador, o qual era coroado pelo patriarca na catedral (Hagia Sophia).
Um grande número de funcionários atendia o
imperador e sua família, destacando o guarda-costas (parakoimomenos), o castelão (koubikoularios)
e o alferes (spatharios). Cargos
cruciais eram exercidos pelos eunucos, considerados confidentes leais e bons conselheiros.
Organizavam os cerimoniais e eram protegidos pela família imperial.
4.2.
Classes Sociais
Não existia uma divisão rígida entre os
grupos sociais e a possibilidade de mobilidade social era muito maior do que no
ocidente. A elite era constituída por um pequeno número de oficiais do estado,
militares de alta patente e grandes proprietários de terra.
Honrarias e títulos eram concedidos pelo
imperador, conferindo status e oportunidades de enriquecimento, em troca de
apoio político. Embora vitalícios, esses títulos não permaneciam aos
descendentes, o que dificultava a formação de uma aristocracia hereditária. A
frequente invenção de novos títulos implicava em novas negociações para se
manter o status na corte. Ao longo dos séculos, surgiram algumas famílias
poderosas, chamadas dynatoi.
A classe média (mesoi) era constituída de pequenos proprietários de terra e
mercadores (uma classe crescente no final da idade média), mas a maioria da
população pertencia às classes inferiores, aporoi
ou ptochoi, constituída por
camponeses e os pobres que moravam nas cidades.
4.3.
Os Escravos
A escravidão (douleia) era uma característica inerente à sociedade bizantina. Os escravos eram vistos como
um tipo especial de propriedade e tinham poucos direitos legais. Ao seu dono,
era lhe permitido disciplina-lo com força letal.
Com o passar dos séculos essa instituição foi
perdendo sua força. Embora a igreja reconhecesse sua legalidade, desencorajava
essa prática. Por volta do séc. IX, os escravos ganharam alguns limitados
direitos de propriedade. Durante os sécs. XI-XII lhes foi garantido o direito
aos sacramentos básicos, batismo, eucaristia e ritos fúnebres. Durante o reinado
de Alexios I Komnenos, os escravos
podiam se casar e a liberdade poderia ser alcançada após longos anos de
trabalho, usualmente após a morte de seu proprietário. Muito comum eram alguns
serviços especiais nas igrejas serem realizados por escravos alforriados.
Próximo ao final da Idade Média a escravidão se tornou relativamente incomum e
tinha pouco significado econômico.
4.4.
Papeis Sociais
A vida pública do império bizantino era dominada
pelos homens. Excetuando-se raras ocasiões em que uma imperatriz ocupou o trono
em “parceria” de uma criança, os homens ocupavam todos os postos de oficiais na
corte, na burocracia civil e nas forças armadas. As cidades ofereciam algumas
oportunidades para as mulheres, como trabalhos domésticos, artesanato,
comerciantes e artistas.
4.4.1. As mulheres.
A visão da mulher era complexa e
contraditória. Os filhos eram seu maior objetivo de vida, infertilidade era
motivo de grande vergonha e mulheres solteiras eram vistas com grande
desconfiança.
Nas cidades, as perspectivas eram limitadas,
mas não insignificantes. Tecelagem era praticado em casa e a confecção artesanal
de roupas era muito valorizada, inclusive tinham seu próprio festival, a Agathe.
Mulheres trabalhavam como médicas e parteiras
nos hospitais e nas casas. Também gerenciavam butiques e lojas ou trabalhavam nas
casas de banho públicas, nas hospedarias e tavernas ou no serviço doméstico de
famílias abastas.
Algumas mulheres trilhavam caminhos mais
tortuosos, eram recrutadas para trabalharem como prostitutas, principalmente camponesas.
Poucas se estabeleciam como cortesãs e concubinas de homens poderosos, por
vezes se casavam com eles.
O mundo do teatro e das artes cênicas oferecia
oportunidade ímpar para fama e riqueza. Acrobatas, dançarinas e atrizes eram
vistas como detentoras de uma moral inferior (quase como as prostitutas).
Excetuando-se os espetáculos públicos, a dança era parte importante dos
festivais e músicos e dançarinas se apresentavam durante banquetes, casamentos
e outras festividades.
A religião oferecia significantes
oportunidades para engajamento social. Além de atender à cultos e cerimônias,
as obras de caridade eram uma oportunidade para trabalho voluntário. Para
atender o grande número de indigentes, os orfanatos, albergues, hospitais e asilos
necessitavam de muita ajuda.
4.4.2. Os eunucos.
Diferentemente de outros povos, os eunucos no Império Bizantino não eram, via de
regra, escravos. Exerciam inúmeras funções domésticas, mas muitos se tornaram
importantes funcionários do Palácio Imperial, cuidavam das finanças do rei e
até mesmo importantes membros do exército. Existia uma hierarquia dentre os
eunucos, como uma “carreira palaciana”. Muitas famílias menos abastadas levavam
seus filhos pré-púberes para serem castrados e assim terem mais oportunidades
na vida, o que era considerado ilegal pelo estado e condenado pela igreja.
O eunuco não era nem homem e nem mulher.
Era, de fato, um terceiro sexo. Dessa forma, papeis sociais gênero-definidos
não se aplicavam. Isso permitia que um eunuco ocupasse diversas posições no mundo bizantino, como professor, médico,
ator, cantor, prostituto... Incluindo altos postos no exército ou na burocracia
estatal.
Embora muito presentes no dia-a-dia de
Constantinopla, despertavam sentimentos conflitantes. Por um lado, cuidavam da
vida pessoal do imperador e da corte, eram vistos como confiáveis, leais,
perspicazes, diligentes, o que os tornavam muito valiosos. Porém, eram vistos
como seres “misteriosos”. Muitos achavam que tinham “talentos arcanos”.
4.5.
Lei e Direito Bizantino
O sistema penal bizantino se constituiu em continuidade com a tradição clássica
romana. A compilação por Justiniano do Corpus
juris civilis em 534 ainda são a base da jurisprudência ocidental.
À semelhança do direito romano, se
distinguiam crimes contra a propriedade
e contra a pessoa. Condutas sexuais
“alternativas”, relações sexuais pré-matrimoniais, adultério, homossexualismo,
estupro, prostituição e aborto eram considerados crimes.
A pena de morte não era comumente aplicada.
Usualmente as penas se restringiam a castigos corporais, confisco de bens e
exílio. Em casos mais graves o criminoso tinha seus olhos vazados, ou sua mão,
seu pé sua língua ou seu nariz amputado. O imperador John II Komnenos (1118-43) se orgulhava de nunca ter permitido uma
execução.
As penalidades aplicadas variavam com o
status tanto da vítima, quanto do acusado. Quando um membro da elite era
culpado por um crime capital, seu título lhe era retirado, suas propriedades
eram confiscadas e era, então, banido para um mosteiro ou uma província
distante. Seus bens eram divididos entre a vítima, seus filhos e o mosteiro que
o acolheria.
A igreja exercia um importante papel moderador
perante o criminoso e sua punição. O estado reconhecia o direito da igreja de
oferecer asilo para cristãos que fugiam de processos de tribunais civis, sendo
julgado por um tribunal eclesial, exceto para os crimes de traição e sonegação
fiscal. Normalmente, os crimes mais graves eram punidos com confinamento em um
mosteiro, mas cegueira ou amputações também eram perpetrados. Crimes menores
eram punidos com confissão pública, associado a jejuns ou compensações para a
vítimas.
4.6.
Economia
O conceito que o Império Bizantino era rico e poderoso não é exatamente verídico.
Era localizado numa região bastante estratégica, a interseção entre Europa e
Ásia Menor, logo, uma região de intenso comércio, dinheiro trocava de mãos todos
os dias, mas as despesas eram muito altas. Exércitos mercenários garantiam a
segurança das fronteiras. A manutenção das edificações, igrejas e obras
públicas era bastante dispendioso.
Uma importante fonte de renda para o império
era a produção de seda, monopólio do estado, graças a alguns bichos-da-seda contrabandeados
da China.
4.6.1. Moeda e sistema monetário.
Reformas iniciadas por Diocletiano e
Constantino, introduziram a moeda de ouro solidus
e a de bronze follis. As moedas de
ouro e prata eram intrinsecamente valiosas e famosas em todo o mundo medieval
por sua alta pureza.
O preço de um escravo variava conforme a
idade, saúde e habilidades. Um jovem de 10 anos podia custar 10-20 solidi ; um músico, 100 e um grammatikos, o dobro. Uma refeição
barata: 1-2 folles. Um manto simples:
50 folles. Grandes quantidades de
moedas eram pesadas ao invés de contadas individualmente.
5. A Família
A família, do Grande Palácio às pequenas
vilas, era a estrutura social básica. O conceito do casamento como a união
voluntária entre um homem e uma mulher, consentido pelos pais, foi reconhecido
pela igreja e sancionado pela lei civil. Os novos direitos dados à esposa e aos
filhos, propiciaram o desenvolvimento de uma sociedade baseada em lares
independentes, bem diferente da antiga Roma.
A idade mínima para se casar era de 15 anos
para meninos e 12-13 anos para as meninas, sendo que esses limites poderiam ser
desrespeitados caso fosse conveniente. Era usual uma “compensação” para a
família do noivo (dote).
5.1.
Medicina “Caseira”
A família era o primeiro recurso contra
indisposição, acidentes ou doenças. Boa parte das pessoas tinham algum
conhecimento sobre o efeito benéfico ou deletério de plantas, animais e
minerais.
Em algumas localidades, existia uma linha
muito tênue que separava a medicina de práticas pouco ortodoxas, por vezes
condenadas pela igreja como superstição ou bruxaria. Primariamente as mulheres eram
responsáveis pela perpetuação dessas tradições. A saúde reprodutiva era uma
preocupação constante. Aflições físicas e emocionais eram atribuídas ao útero (hystera). A medicina tradicional grega
ensinava que o útero era um órgão livre, como um polvo que perambulava pelo
corpo causando dores de cabeça, acessos de raiva ou comportamento imprevisível.
Aplacar um “útero viajante” requeria o uso de um amuleto (phylakterion), o qual era atribuído propriedades mágicas.
Medidas similar eram necessárias para bloquear
a ação de Gylou, um demônio feminino
em forma de serpente que ameaçava a saúde de crianças recém-nascidas e ainda em
gestação, causando abortos. Amuletos medievais consistiam de uma cabeça de
medusa com cabelos de serpentes.
Famílias abastadas frequentemente tinham
escravos especialmente treinados na arte de curar. Eunucos, por não ameaçarem a
autoridade masculina e nem a pureza feminina, lhes eram permitidos atender
ambos os sexos.
5.2.
Sexualidade
É muito difícil apreender a sexualidade do
povo bizantino. A igreja enfatizava a importância da castidade e a sexualidade
era vista como obstáculo para o crescimento espiritual. Relações sexuais eram
permitidas apenas entre casados, sendo que a igreja proibia o intercurso nos
sábados, domingos e durante a quaresma. Mulheres eram consideradas impuras
durante a menstruação e 40 dias após o parto e apenas em situações de risco de
vida poderiam receber a comunhão. Existia uma crença popular que relações
sexuais durante a menstruação poderia levar a geração de crianças deformadas.
A realidade era um pouco diferente.
Imperadores e respeitáveis oficiais da corte tinham amantes e concubinas.
Mulheres desacompanhadas corriam o risco de estupro nas ruas de Constantinopla.
Prostituição era muito prevalente. Monastério e igrejas não estavam imunes à
“tensão sexual”. Poemas eróticos e epigramas refletiam o erotismo da época.
Afrodisíacos, amuletos e “encantamentos” eram utilizados como estimulantes.
6. Referências
5 Things You Did Not Know About Byzantine
Eunuchs. http://neobyzantium.com/5-things-you-did-not-know-about-byzantine-eunuchs,
acessado 17-04-2013.
A History of
the Orthodox Church: The Church of Imperial Byzantium, http://orthodoxinfo.com/general/history3.aspx
, acessado 17-04-2013.
Aleixo III. http://pt.wikipedia.org/wiki/Aleixo_III
, acessado 16-04-2013.
Mango, Cyril. Bizâncio - O
Império da Nova Roma. Edições 70. 2008.
The Vital Roles of Eunuchs in Byzantium. http://neobyzantium.com/the-vital-roles-of-eunuchs-in-byzantium/, acessado 17-04-2013.
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