Ao por do sol... Joanna se levantou:
- Paaaaaaaaaaai! Me abraça bem forte, este vai ser nosso último
abraço!
Abracei, simplesmente. Depois perguntei:
- Último por que?
- Porque... o ser de dentes afiados me livrou da dor da
violação. Mas agora preciso ver meu último nascer do sol. Não tenho mais nada a
fazer por aqui, não quero sangrar pessoas até elas... terem o mesmo destino que
eu, de seres sedentos de sangue para sempre. Por favor, rasgue um pouco seu
braço.
Rasguei, e dei um pano embebido em sangue a ela. Sangue que ela
sorveu com ansiedade.
- Desculpa a bagunça papai! É meu último jantar...
E continuamos abraçados até o dia começar a clarear. Então ela
me disse:
- Daqui a pouco o sul* vai me matar. Sim, o sul, o sol...
*Nota: em polaco, “sul” e “meio-dia” são ditos da mesma forma, já
que o sol, em latitudes tão ao norte, fica claramente inclinado em direção ao
sul, especialmente quando o inverno se aproxima.
- Entendo, só assim você poderá se livrar deste corpo...
- O sul é minha morte, mas vai ser sua vida.
- Como?
- Só vá! É meu último pedido! Promete? – clamou com lágrimas nos
olhos.
- Mas... como atravessar essa mata toda?
- Fala com o Tomasz... ele me falou de uma linda cidade, chamada... Constan... ah, esqueci o nome, pergunta pra ele! – disse, com um sorriso no
rosto, o último antes de uma morte cruel.
- Prometido dentucinha linda... agora me explica o porquê...
- Porque... lá é que vão decidir o destino do mundo. Você não
vai ver toda a luta ainda nesta vida, mas vai participar dela!
- E por que eu?
- Os dias que dormi na terra, eu tive um sonho. Rod apareceu
para mim, e falou que precisava de você.
- E por que não Tomasz, que é muito mais devoto do que eu? E
Javé, onde entra nessa história?
- Nomes, papai, só nomes. Rod e Javé tem o mesmo rosto.
Após enterrar as cinzas de Joanna, fui falar com Tomasz, que me
encaminhou aos que utilizam uma rápida rota pelos rios até Constantinopla.
Pois bem... o bastão era uma estaca de prata pontiaguda. Mas nem
Joaninka mostrou ser um perigo para mim em sua última noite, nem me pediu que
eu usasse esse instrumento, que eu nem sei se teria coragem de usar contra
minha própria filha.
No navio... descendo o vale do rio Dniester, houve uma
confraternização à luz do luar, em novembro de 1195. Um outono muito frio e
seco, o vento de leste soprava no convés do navio como uma nevasca. Então Tomasz
me perguntou:
- Esse será seu segundo batismo... qual nome você quer adotar?
- Admiro as histórias de Caim e Nimrod. Um, alguém que teve
coragem de matar seu próprio irmão. O outro, por ter desafiado Deus, com a
intenção de erguer uma torre até o Céu. Assim eu me sinto: alguém sem nada a
perder, com coragem para cometer qualquer coisa em troca do bem, e ao mesmo
tempo desafiando alguém a quem atribuem a origem de todo bem. Mas eu,
pessoalmente, não O perdoo pelas duas duras perdas que sofri nos últimos 6 longos
anos.
- Então seu nome será sua maldição. Mas, seja feita sua vontade.
Na Ukrajna tem um curioso ritual agrícola... mulheres naqueles
dias... regando a plantação com o fruto que seus ventres despejam... naqueles
dias. E tinha mulheres nesse estado no navio. Foi com o sangue delas que Tomasz
proclamou solenemente:
- De agora em diante, serás Kain Nimrodski, senhor das trevas!
Virastes o rosto em direção de Rod e Triglav, mas contra eles! Que este sangue
produza bons frutos em sua alma condenada! Torça para que não morras no estado
em que estás!
Todos a bordo suspiraram estupefatos.
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Nota: Ukrajna é o nome nativo do pais conhecido por Ucrânia.
Um comentário :
Grade Luciano,
Bastante interessante...
Hugo Marcelo
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