domingo, 23 de junho de 2013

I. Ambientação: Os Bizantinos


1. Introdução

Conceitualmente, o “Império Bizantino” fora constituído quando a cidade de Constantinopla, a Nova Roma, foi fundada em 324 d.C. e teve seu fim com a tomada pelos turcos otomanos em 1.453, sofrendo profundas transformações ao longo desses 11 sécs.
Com relação ao adjetivo “bizantino”, é muito discutido sua adequação e veracidade mas por ser um termo consagrado pelo uso será utilizado sem restrições. Na verdade, “O Império Bizantino” nunca existiu, mas sim um estado romano que tinha por capital Constantinopla. Seus habitantes se designavam  Romaioi, ou simplesmente cristãos; e seu país de Romania.
Um homem poderia ser referido como byzantios apenas se fosse natural de Constantinopla. Os europeus se referiam aos “bizantinos” como Graeci. Para os Eslavos eram os Greki, mas para o mundo árabe eram os Rum, ou seja, os romanos. O termo Byzantinus só passou a ser utilizado a partir do Renascimento.
Didaticamente a história bizantina pode ser dividida em três grandes períodos: inicial, médio e tardio. O período inicial se estende até meados do séc. VII, coincidente com a ascensão do islã e à instalação definitiva dos árabes ao longo da costa sul e leste do mediterrâneo. O período médio, até a ocupação da Ásia Menor pelos turcos, em 1070, ou até a tomada de Constantinopla pelos cruzados, em 1204; e o período tardio finaliza-se em 1453.
O período inicial foi de longe o mais importante para a história bizantina. Não só por seu poder político, sua extensão geográfica; mas por sua herança cultural. Foi responsável pela integração do cristianismo à cultura greco-romana, definiu o dogma cristão, estabelecendo as estruturas da vida cristã e criou uma literatura e arte cristã.
O período médio foi catastrófico. A invasão persa no início do séc. VII, seguido da expansão árabe privaram os bizantinos de algumas de suas províncias mais prósperas como a Síria, Palestina, Egito e mais tarde o norte da África. Esse colapso marcou o fim de um modo de vida: a civilização urbana da antiguidade.
Nesta época, despontaram três superpotências: o Império Bizantino, Europa ocidental e o mundo islâmico, herdeiro de Roma e da Pérsia, que organizava um vasto “mercado comum” que ia da Espanha até aos confins da Índia. Uma civilização com uma vitalidade extraordinária.
O Império Bizantino, apesar de excluído das principais rotas comerciais e constantemente hostilizado por seus inimigos, foi, ainda assim, capaz de mostrar uma grande dinâmica e recuperar muito de seu território perdido. Voltou sua atenção para o norte e o ocidente bárbaro: os Balcãs, então povoado pelos eslavos e outros povos recém-chegados; o estado Chazar localizado na península da Criméia e a costa norte do mar negro. Novas perspectivas estavam, pois, abertas, e a influência bizantina, pautada pela atividade missionária, irradiou-se até a Morávia e ao Báltico.
O cenário do período tardio também é dominado por essas três superpotências embora com uma configuração diferente. Tanto o mundo bizantino como o mundo árabe estavam em completa desordem, ao passo que a Europa ocidental estava em ascensão. Ainda, a Ásia Menor foi perdida para os turcos seljúcidas e teve fim o tráfego marítimo para as cidades-estados italianas. A partir de 1180 entrou em franca decadência e com a tomada de Constantinopla pela 4a. Cruzada se fragmentou nos estados de Trebizonda, Niceia e Epiro.
Embora pouco importante para a história mundial (mas fundamental para este jogo), Constantinopla foi retomada dos latinos em 1.260 pelo general Mikhael Doukas Komnēnós Palaiologos, coroado imperador Mikhael VIII Palaiologos. Embora apenas palidamente se assemelhasse ao que fora no passado, foi um momento de intensa produção artística e cultural, considerado o “Renascimento Paleólogo”.

2. Que Rei Sou Eu?

A política interna do império bizantino detém uma triste história de intrigas, inveja, violência e assassinatos. Algo em torno de 70 imperadores governaram Bizâncio. Desses, menos de 50% transferiram a coroa pacificamente para seu herdeiro.
O atual imperador é Aleixo III Ângelo (1153-1211). Pertencente à família real, mas não era o legítimo herdeiro do trono. Na juventude, conspirou para a morte do então monarca Andrónico I Comneno, sendo exilado, passando vários anos em cortes muçulmanas, inclusive na de Saladino.
O caminho que percorreu do exílio ao trono bizantino foi longo e tortuoso. Em 11 de setembro de 1185, seu irmão Isaac foi ameaçado de morte por seu primo, coincidente com o afastamento do trono de Andrónico I Comneno. Isaac, acuado, matou o comandante da guarda imperial e se refugiou na basílica de Hagia Sofia. De lá, incitou a população a um motim que culminou na sua proclamação como rei Isaac II Ângelo.
Em 1190, Aleixo Ângelo regressou à Constantinopla à convite de seu irmão Isaac II Ângelo, o imperador. Ocupou um cargo de confiança, Sebastokrator, uma grande honraria, mas um título que na prática não representava nada.
Em 1195, Isaac II Ângelo caçava em Trácia (sudeste da Europa próximo às fronteiras da Grécia, Turquia e Bulgária). Aleixo traiu seu irmão e corou-se imperador Aleixo III Ângelo. Isaac foi aprisionado em Estagiras na Macedônia, cegado e mantido cativo.
Aleixo III Ângelo despendia muitos recursos para consolidar sua posição como imperador. Sua desmedida exauriu o tesouro imperial, a contragosto de sua esposa Euphrosyne Doukaina Kamaterina, considerada hábil e forte.
Em 1202, o imperador Aleixo III Ângelo iria enfrentar um desafio inesperado. Uma armada cristã se reunia em Veneza com o objetivo de retomarem a Terra Santa. O filho de Isaac (o rei deposto), Alexius Ângelo (não confundir com o rei Alexo III Ângelo), escapou de Constantinopla e viajou para a Europa. Dessa forma, apelou para Bonifácio de Montferrat, líder da 4a. Cruzada, que lhe entronasse. Em troca poria fim ao cisma entre as igrejas ocidental e oriental, pagaria pelo transporte e daria suporte militar. Assim o fizeram, facilitados pela inabilidade militar de Aleixo III Ângelo e a covardia de seus exércitos.
Em 18-07-1203, os cruzados iniciaram o ataque à cidade e Aleixo III Ângelo fugiu para Trácia. Isaac II foi proclamado rei pela população, o que foi considerado ilegal pelo cruzados dada sua deficiência visual. O impasse foi resolvido com a proclamação de  Alexius, seu filho, como co-imperador, Alexius IV.
A tensão aumentava a medida que o reino bizantino não possuía recursos para pagar o que fora acordado com os cruzados. A insatisfação com Alexius IV crescia com suas medidas impopulares, como quebrar esculturas para extrair o ouro e a prata. Seu pai Isaac II o caluniava, acusando-o de conduta sexual inapropriada com “um homem depravado”. Em dez/1203 explode o conflito entre os cruzados e o império bizantino. O senado bizantino, alguns padres e ilustres membros da cidade tentam eleger um rei rival, Nicholas Kanabos, mas ele se recusou a ocupar ao trono. Paralelamente, Alexius IV tenta uma reconciliação com os cruzados, incumbindo desta função seu protovestiarios (oficial sênior das finanças), Alexios Doukas Murzuphlus. Ele trai seu rei e aprisiona tanto Alexius IV como seu pai Isaac II no final de jan/1204 e se proclama imperador Alexios V Doukas, cujo maior feito foi refugiar-se em Trácia assim que se iniciou o Saque de Constantinopla, em 12-abr-1204.

3. Mundo Bizantino

3.1.  Autoimagem

Os Bizantinos são um povo muito orgulhoso de seu passado. Se consideram herdeiros da antiga Roma e responsáveis por perpetuar seu legado e propagar o cristianismo pelo mundo. É a primeira nação a ter o cristianismo como religião oficial.

3.2.  O Imperador

A concepção de sociedade que prevaleceu durante todo o Império Bizantino é que deveria existir apenas uma única sociedade universal cristã, a oikoumene, que unia o império e a igreja. No coração da política cristã de Bizâncio estava o imperador, mais do que um simples chefe de estado, o representante de Deus na terra. Se Bizâncio era um ícone da Jerusalém celeste, então o Império era imagem da monarquia suprema de Deus no paraíso. Nas igrejas, o povo se prostrava diante do ícone de Cristo, e nos palácios, perante o imperador. No Grande Palácio, na sala do trono, leões mecânicos rugiam e pássaros cantavam, todo o ambiente testemunhava o status do imperador.
Segundo Constantine VII Porphyrogenitus, “nós entendemos o movimento harmonioso de Deus Criador em torno deste universo, à medida que o poder imperial é preservado em proporção e em ordem”. O imperador tinha um lugar especial na igreja. Embora não celebrasse a eucaristia, recebia a comunhão em duas espécies dentro do santuário de forma semelhante aos padres. Também fazia algumas homilias e, em algumas festas, incensava o altar. A vestimenta que os bispos ortodoxos atualmente usam, é a mesma que o imperador usava nas cerimônias.
A vida em Bizâncio era formada por um todo, unificado. Não existia uma linha rígida que separava o religioso do secular, entre igreja e estado. Eram parte de um mesmo organismo. Dessa forma era inevitável que o imperador tivesse uma participação ativa na igreja. Por outro lado, a acusação de Caesaro-Papismo não procede[1]. Não havia subordinação da igreja ao estado. Existia o poder imperial (imperium) e o clero (sacerdotium). Enquanto trabalhando em cooperação, cada elemento tinha sua própria esfera e autonomia. Entre os dois existia uma “harmonia” e como uma “sinfonia”. Nenhum dos dois exercia controle absoluto sobre o outro.


[1] Tenho sérias reservas quanto a essa afirmação. Várias vezes o imperador interveio na igreja de forma indevida e, por vezes, como no período do iconoclasmo, violenta.




3.3.  Helenização

Por volta do séc. VII - VIII, se consolidou como estado medieval helenizado, sendo o grego reconhecido como a língua oficial do estado, da religião e do comércio. Era ensinado pelos grammatikoi em quase toda vila e cidade. A maioria das pessoas tinham algum conhecimento básico de leitura e escrita.
Havia o grego falado na corte, nas correspondências oficiais e o grego falado em casa ou no mercado, mais coloquial e informal. Esse pluralismo linguístico refletia uma complexa hierarquia social. Para uma família da elite de Constantinopla, valer-se de um vocabulário florido e uma sintaxe rebuscada era a forma de se diferenciarem dos rústicos e economicamente inferiores.

3.4.  O Tempo

3.4.1.     Horas do dia.


O dia era dividido em dois ciclos de 12 horas, do nascer ao por do sol. Seguindo o costume romano, o dia (nychthemeron) começava à meia-noite e a primeira hora do dia (hemera) vinha com a madrugada. A noite (nyx) era também dividida em 12 horas. O tamanho desses ciclos variava conforme o período do ano. A cada dois anos o equinócio era o único dia com 60 min, oferecendo a oportunidade para astrônomos, militares e cientistas calibrarem seus “relógios d’água”, ou quaisquer dispositivos de medição do tempo.
As atividades eram exercidas normalmente durante o dia. A Mese e as igrejas eram artificialmente iluminadas. As tavernas em Constantinopla provavelmente fechavam após a 2a. hora da noite. Questões referentes à segurança, associado à iluminação precária contribuíam para virtual ausência de vida noturna.
O sol era a forma mais confiável de se marcar as horas. Um monumental relógio de sol (horologia) foi construído próximo à Hagia Sophia. Muitos militares e viajantes possuíam “relógios de sol portáteis”. Outra forma usual de se marcar o tempo eram os “relógios d’água” (klepsydra), muito importantes para os estudos astronômicos.

Horas do Dia
Novo dia
meia-noite  
nychthemeron
1a. hora
madrugada
hemera
3a. hora
meio da manhã (09:00h)

6a. hora
meio-dia

9a. hora
meio da tarde

11a. hora
anoitecer (18:00h)
hespera
1a. hora noite
pôr-do-sol
apodeipnon

3.4.2.     Dias da semana.

Embora a semana fosse constituída de 7 dias. O domingo (kyriake) era visto como o 1o. e o 8o. dia da semana. Uma vez que Cristo é o alfa e o ômega do cosmos, existia antes e depois do tempo. Cada dia da semana era dedicado a um ou mais santos. Dessa forma, o 2o. E o 3o. dias eram vistos como dias de penitência.

Dias da Semana
Dedicado à
1o.
Domingo
Kyriake
Dia do Senhor
2o.
Segunda
Deutera
Anjos
3o.
Terça
Trite
São João Batista, o predecessor (Prodromos) de Cristo.
4o.
Quarta
Tetarte
A Cruz
5o.
Quinta
Pempte
Teothokos
6o.
Sexta
Paraskeve
A Cruz
7o.
Sábado
Sabbaton
Mártires da igreja
8o.
Domingo
Kyriake
Dia do Senhor

3.4.3.     Estações do ano.

A sucessão das estações foi reconhecido desde a antiguidade. O clima variava do temperado continental nos Balcãs e no mar Negro até o clima mediterrâneo no norte da África e do oriente próximo. Algumas autoridades agrárias instituíram um  calendário bastante prático. O sporetos ou “tempo da semente” precedia o solstício; inverno (phytalia) ou “plantio de árvores” até o equinócio; primavera; verão (opora) ou “colheita dos frutos”; e o outono.

3.4.4.     Calendário.

Não havia um sistema cronológico universalmente aceito no mundo bizantino. O calendário Juliano era o mais aceito. O calendário litúrgico era baseado no calendário civil e começava na festa do nascimento da Virgem Maria (08-set). Maior parte das festividades e do dia de cada santo era fixado no Synaxarion de Constantinopla, sendo as principais o Natal (Christougennos, 25-dez), Epifania (06-jan), apresentação no Templo (Hypapante, 02-fev) e ascensão de Maria (Koimesis, 15-ago). 

3.5.  Ciclo de Vida

As fases da vida promovem uma forma básica e menos abstrata para a compreensão do tempo. Embora autores clássicos entendessem a vida como a sucessão de várias fases, o senso comum bizantino distinguia infância, maturidade e velhice.
A fase adulta coincide com a obtenção de responsabilidade social, 15-17 anos. Embora legalmente a maioridade fosse atingida aos 20 anos. Alguns jovens se casavam muito jovens, 13-15 anos. Um homem se tornava elegível para o serviço militar a partir dos 20 anos.
A expectativa de vida era relativamente curta, 40-45 anos. A mortalidade infantil era de aproximadamente 50%, a mortalidade materna também era muito elevada. Talvez 10% da população chegava à velhice, 60-80 anos. Os idosos eram muito respeitados pelo seu conhecimento e sabedoria. Na zona rural, onde registros escritos eram mais raros, eram conhecedores das histórias dos antepassados, as tradições locais e até mesmo os limites das propriedades. Em muitos casos, a idade avançada ganhava status de santidade. Vários santos bizantinos viveram até seus 80-90 anos.

3.5.1.     Dieta e refeições.

A maioria das famílias bizantinas tinha o que poderia ser chamado de típica dieta mediterrânea, a base de cereais, verduras, legumes, azeitonas e óleo de oliva. O arroz asiático era raro até a fase tardia da Idade Média. Carne era consumido em quantidades limitadas, se não em ocasiões especiais. As principais fontes de proteína animal eram o cordeiro, a cabra, aves e porcos. Carne de caça ou de gado eram considerados quase que luxo. Peixes e frutos do mar estavam disponíveis ao longo da costa ou ao longo de rios e lagos.
Haviam duas refeições diárias principais. Um singelo café-da-manhã, ariston, e a refeição principal era servida após o pôr-do-sol, deipnon. Alguns estudiosos referem ums refeição no início da madrugada, prophagion.

4. Sociedade e Economia

4.1.  O Governo

O serviço imperial era basicamente formado pela corte, as forças armadas e a burocracia civil. Todos sob a autoridade direta do imperador. O imperador assumia este posto ou por ter nascido porphyrogennitos na família reinante, ou coroado co-imperador com o apoio dos militares. O senado juntamente com um corpo cerimonial constituído por membros da elite, ratificam o trono de um novo imperador, o qual era coroado pelo patriarca na catedral (Hagia Sophia).
Um grande número de funcionários atendia o imperador e sua família, destacando o guarda-costas (parakoimomenos), o castelão (koubikoularios) e o alferes (spatharios). Cargos cruciais eram exercidos pelos eunucos, considerados confidentes leais e bons conselheiros. Organizavam os cerimoniais e eram protegidos pela família imperial.

4.2.  Classes Sociais

Não existia uma divisão rígida entre os grupos sociais e a possibilidade de mobilidade social era muito maior do que no ocidente. A elite era constituída por um pequeno número de oficiais do estado, militares de alta patente e grandes proprietários de terra.
Honrarias e títulos eram concedidos pelo imperador, conferindo status e oportunidades de enriquecimento, em troca de apoio político. Embora vitalícios, esses títulos não permaneciam aos descendentes, o que dificultava a formação de uma aristocracia hereditária. A frequente invenção de novos títulos implicava em novas negociações para se manter o status na corte. Ao longo dos séculos, surgiram algumas famílias poderosas, chamadas  dynatoi.
A classe média (mesoi) era constituída de pequenos proprietários de terra e mercadores (uma classe crescente no final da idade média), mas a maioria da população pertencia às classes inferiores, aporoi ou ptochoi, constituída por camponeses e os pobres que moravam nas cidades.

4.3.  Os Escravos

A escravidão (douleia) era uma característica inerente à sociedade bizantina. Os escravos eram vistos como um tipo especial de propriedade e tinham poucos direitos legais. Ao seu dono, era lhe permitido disciplina-lo com força letal.
Com o passar dos séculos essa instituição foi perdendo sua força. Embora a igreja reconhecesse sua legalidade, desencorajava essa prática. Por volta do séc. IX, os escravos ganharam alguns limitados direitos de propriedade. Durante os sécs. XI-XII lhes foi garantido o direito aos sacramentos básicos, batismo, eucaristia e ritos fúnebres. Durante o reinado de Alexios I Komnenos, os escravos podiam se casar e a liberdade poderia ser alcançada após longos anos de trabalho, usualmente após a morte de seu proprietário. Muito comum eram alguns serviços especiais nas igrejas serem realizados por escravos alforriados. Próximo ao final da Idade Média a escravidão se tornou relativamente incomum e tinha pouco significado econômico.

4.4.  Papeis Sociais

A vida pública do império bizantino era dominada pelos homens. Excetuando-se raras ocasiões em que uma imperatriz ocupou o trono em “parceria” de uma criança, os homens ocupavam todos os postos de oficiais na corte, na burocracia civil e nas forças armadas. As cidades ofereciam algumas oportunidades para as mulheres, como trabalhos domésticos, artesanato, comerciantes e artistas.

4.4.1.  As mulheres.

A visão da mulher era complexa e contraditória. Os filhos eram seu maior objetivo de vida, infertilidade era motivo de grande vergonha e mulheres solteiras eram vistas com grande desconfiança.
Nas cidades, as perspectivas eram limitadas, mas não insignificantes. Tecelagem era praticado em casa e a confecção artesanal de roupas era muito valorizada, inclusive tinham seu próprio festival, a Agathe.
Mulheres trabalhavam como médicas e parteiras nos hospitais e nas casas. Também gerenciavam butiques e lojas ou trabalhavam nas casas de banho públicas, nas hospedarias e tavernas ou no serviço doméstico de famílias abastas.
Algumas mulheres trilhavam caminhos mais tortuosos, eram recrutadas para trabalharem como prostitutas, principalmente camponesas. Poucas se estabeleciam como cortesãs e concubinas de homens poderosos, por vezes se casavam com eles.
O mundo do teatro e das artes cênicas oferecia oportunidade ímpar para fama e riqueza. Acrobatas, dançarinas e atrizes eram vistas como detentoras de uma moral inferior (quase como as prostitutas). Excetuando-se os espetáculos públicos, a dança era parte importante dos festivais e músicos e dançarinas se apresentavam durante banquetes, casamentos e outras festividades.
A religião oferecia significantes oportunidades para engajamento social. Além de atender à cultos e cerimônias, as obras de caridade eram uma oportunidade para trabalho voluntário. Para atender o grande número de indigentes, os orfanatos, albergues, hospitais e asilos necessitavam de muita ajuda.

4.4.2.  Os eunucos.

Diferentemente de outros povos, os eunucos no Império Bizantino não eram, via de regra, escravos. Exerciam inúmeras funções domésticas, mas muitos se tornaram importantes funcionários do Palácio Imperial, cuidavam das finanças do rei e até mesmo importantes membros do exército. Existia uma hierarquia dentre os eunucos, como uma “carreira palaciana”. Muitas famílias menos abastadas levavam seus filhos pré-púberes para serem castrados e assim terem mais oportunidades na vida, o que era considerado ilegal pelo estado e condenado pela igreja.
O eunuco não era nem homem e nem mulher. Era, de fato, um terceiro sexo. Dessa forma, papeis sociais gênero-definidos não se aplicavam. Isso permitia que um eunuco ocupasse diversas posições no mundo bizantino, como professor, médico, ator, cantor, prostituto... Incluindo altos postos no exército ou na burocracia estatal.
Embora muito presentes no dia-a-dia de Constantinopla, despertavam sentimentos conflitantes. Por um lado, cuidavam da vida pessoal do imperador e da corte, eram vistos como confiáveis, leais, perspicazes, diligentes, o que os tornavam muito valiosos. Porém, eram vistos como seres “misteriosos”. Muitos achavam que tinham “talentos arcanos”.

4.5.  Lei e Direito Bizantino

O sistema penal bizantino se constituiu em continuidade com a tradição clássica romana. A compilação por Justiniano do Corpus juris civilis em 534 ainda são a base da jurisprudência ocidental.
À semelhança do direito romano, se distinguiam crimes contra a propriedade e contra a pessoa. Condutas sexuais “alternativas”, relações sexuais pré-matrimoniais, adultério, homossexualismo, estupro, prostituição e aborto eram considerados crimes.
A pena de morte não era comumente aplicada. Usualmente as penas se restringiam a castigos corporais, confisco de bens e exílio. Em casos mais graves o criminoso tinha seus olhos vazados, ou sua mão, seu pé sua língua ou seu nariz amputado. O imperador John II Komnenos (1118-43) se orgulhava de nunca ter permitido uma execução.
As penalidades aplicadas variavam com o status tanto da vítima, quanto do acusado. Quando um membro da elite era culpado por um crime capital, seu título lhe era retirado, suas propriedades eram confiscadas e era, então, banido para um mosteiro ou uma província distante. Seus bens eram divididos entre a vítima, seus filhos e o mosteiro que o acolheria.
A igreja exercia um importante papel moderador perante o criminoso e sua punição. O estado reconhecia o direito da igreja de oferecer asilo para cristãos que fugiam de processos de tribunais civis, sendo julgado por um tribunal eclesial, exceto para os crimes de traição e sonegação fiscal. Normalmente, os crimes mais graves eram punidos com confinamento em um mosteiro, mas cegueira ou amputações também eram perpetrados. Crimes menores eram punidos com confissão pública, associado a jejuns ou compensações para a vítimas.

4.6.  Economia

O conceito que o Império Bizantino era rico e poderoso não é exatamente verídico. Era localizado numa região bastante estratégica, a interseção entre Europa e Ásia Menor, logo, uma região de intenso comércio, dinheiro trocava de mãos todos os dias, mas as despesas eram muito altas. Exércitos mercenários garantiam a segurança das fronteiras. A manutenção das edificações, igrejas e obras públicas era bastante dispendioso.
Uma importante fonte de renda para o império era a produção de seda, monopólio do estado, graças a alguns bichos-da-seda contrabandeados da China.

4.6.1.  Moeda e sistema monetário.

Reformas iniciadas por Diocletiano e Constantino, introduziram a moeda de ouro solidus e a de bronze follis. As moedas de ouro e prata eram intrinsecamente valiosas e famosas em todo o mundo medieval por sua alta pureza.
O preço de um escravo variava conforme a idade, saúde e habilidades. Um jovem de 10 anos podia custar 10-20 solidi ; um músico, 100 e um grammatikos, o dobro. Uma refeição barata: 1-2 folles. Um manto simples: 50 folles. Grandes quantidades de moedas eram pesadas ao invés de contadas individualmente.

Moedas bizantinas de ouro: solidi


5.    A Família

A família, do Grande Palácio às pequenas vilas, era a estrutura social básica. O conceito do casamento como a união voluntária entre um homem e uma mulher, consentido pelos pais, foi reconhecido pela igreja e sancionado pela lei civil. Os novos direitos dados à esposa e aos filhos, propiciaram o desenvolvimento de uma sociedade baseada em lares independentes, bem diferente da antiga Roma.
A idade mínima para se casar era de 15 anos para meninos e 12-13 anos para as meninas, sendo que esses limites poderiam ser desrespeitados caso fosse conveniente. Era usual uma “compensação” para a família do noivo (dote).

5.1.  Medicina “Caseira”

A família era o primeiro recurso contra indisposição, acidentes ou doenças. Boa parte das pessoas tinham algum conhecimento sobre o efeito benéfico ou deletério de plantas, animais e minerais.
Em algumas localidades, existia uma linha muito tênue que separava a medicina de práticas pouco ortodoxas, por vezes condenadas pela igreja como superstição ou bruxaria. Primariamente as mulheres eram responsáveis pela perpetuação dessas tradições. A saúde reprodutiva era uma preocupação constante. Aflições físicas e emocionais eram atribuídas ao útero (hystera). A medicina tradicional grega ensinava que o útero era um órgão livre, como um polvo que perambulava pelo corpo causando dores de cabeça, acessos de raiva ou comportamento imprevisível. Aplacar um “útero viajante” requeria o uso de um amuleto (phylakterion), o qual era atribuído propriedades mágicas.
Medidas similar eram necessárias para bloquear a ação de Gylou, um demônio feminino em forma de serpente que ameaçava a saúde de crianças recém-nascidas e ainda em gestação, causando abortos. Amuletos medievais consistiam de uma cabeça de medusa com cabelos de serpentes.
Famílias abastadas frequentemente tinham escravos especialmente treinados na arte de curar. Eunucos, por não ameaçarem a autoridade masculina e nem a pureza feminina, lhes eram permitidos atender ambos os sexos.

5.2.  Sexualidade

É muito difícil apreender a sexualidade do povo bizantino. A igreja enfatizava a importância da castidade e a sexualidade era vista como obstáculo para o crescimento espiritual. Relações sexuais eram permitidas apenas entre casados, sendo que a igreja proibia o intercurso nos sábados, domingos e durante a quaresma. Mulheres eram consideradas impuras durante a menstruação e 40 dias após o parto e apenas em situações de risco de vida poderiam receber a comunhão. Existia uma crença popular que relações sexuais durante a menstruação poderia levar a geração de crianças deformadas.
A realidade era um pouco diferente. Imperadores e respeitáveis oficiais da corte tinham amantes e concubinas. Mulheres desacompanhadas corriam o risco de estupro nas ruas de Constantinopla. Prostituição era muito prevalente. Monastério e igrejas não estavam imunes à “tensão sexual”. Poemas eróticos e epigramas refletiam o erotismo da época. Afrodisíacos, amuletos e “encantamentos” eram utilizados como estimulantes.

6. Referências

5 Things You Did Not Know About Byzantine Eunuchs. http://neobyzantium.com/5-things-you-did-not-know-about-byzantine-eunuchs, acessado 17-04-2013.
A History of the Orthodox Church: The Church of Imperial Byzantium, http://orthodoxinfo.com/general/history3.aspx , acessado 17-04-2013.
Aleixo III. http://pt.wikipedia.org/wiki/Aleixo_III , acessado 16-04-2013.
Mango, Cyril. Bizâncio - O Império da Nova Roma. Edições 70. 2008.
The Vital Roles of Eunuchs in Byzantium. http://neobyzantium.com/the-vital-roles-of-eunuchs-in-byzantium/, acessado 17-04-2013.

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